domingo, fevereiro 25, 2007

Reflexão de fim-de-semana
Estranha forma de vida…

Confesso que não sei, mas gostaria muito de saber, entender e estudar tão evoluída e superior raça, tão vanguardista forma de pensamento.

A esquerda e a direita já foram…

Hoje o que mais incomoda os puritanistas do pensamento de esquerda é que um partido, pretensamente à esquerda no nosso espectro político, governe ao centro e até à direita, isto à luz dos velhos cardápios da ciência política dos autores clássicos. O “centrão” domina a sociedade portuguesa e, por muito que se esforcem em fazê-lo, PS e PSD são iguais, só se diferenciando nos protagonistas. Assim se pode entender a crónica alternância na condução dos destinos do Portugal democrático.

Mas se a esquerda e a direita se casaram ao centro, apenas deixando as extremidades para os mais engalfinhados e demagogos políticos do nosso tempo, apenas preparados e interessados em estar na oposição, ainda vai subsistindo uma esquerda que não aceita tal aproximação, tal convivência de ideias, tal rendição aos interesses da nação que é, acima de qualquer outro, o farol que deve orientar qualquer responsável político. Ainda não entendeu que o mundo mudou, que o liberalismo e a economia de mercado se sobrepuseram ao socialismo, que é necessário implementar políticas sociais, à luz do modelo social europeu, mas sem comprometer o equilíbrio das contas do estado, ter cultura e políticas culturais sem arrasar com a economia, envolvendo capitais públicos e privados e, sobretudo, uma cultura com público, longe dos eventos culturais de espelho em que os únicos assistentes, eram os próprios protagonistas.

Vai daí, a esquerda saudosista considera “os outros” culturalmente diminuídos, longe das ideias modernas, porque ser vanguardista é ser de esquerda, incivilizados, porque de civilização e urbanidade está a esquerda cheia e quem não comungar deste diapasão é um saudosista do passado e adepto da estagnação.

A crer no que se tem lido, e é necessário ter muita fé para aguentar tanto despretensiosismo, o povo é clarividente quando vota à esquerda ou, em referendo, segue a mesma linha defendida pelos partidos que a representam.

Viva a democracia e a liberdade de opinião!

Lemos com alguma surpresa a análise de MPT, aos resultados do referendo à interrupção voluntária da gravidez (www.trigalfa.blogspot.com), onde escrevia que “depois das Ilhas, de Viseu e de Vila Real foram no distrito de Viana do Castelo os mais fracos resultados do SIM. E dentro deste o mais negativo tinha que ser em Ponte de Lima (…) Mas num País que já vai vendo onde está a civilização, que não na hipocrisia, era de exigir mais”. Para mais à frente acrescentar que “temos assim um voto urbano mais actualizado e moderno”.

Um dia antes, a 11 de Fevereiro, após o conhecimento dos resultados concluiu que “o povo, como povo votante, na sua superior clarividência votou Sim no referendo sobre a despenalização do I.V.G.” e que “o mesmo povo, na sua maioria e também na sua superior clarividência, absteve-se, com a ideia assumida de que isto é assunto para os políticos”.

Esta forma de ver as coisas é pouco clarividente e isenta, necessita de alguns filtros para poder ver a realidade. Ao escrito, imediatamente algumas questões se colocam:

  1. Será mais moderna, mais civilizada, menos hipócrita, mais urbana, mais clarividente uma aldeia do interior do distrito de Viana do Castelo, por exemplo do concelho de Ponte de Lima, ou uma do concelho de Cuba, nos confins do Alentejo (na primeira o Não venceu claramente, o mesmo acontecendo na segunda com o Sim)?
  2. Será o concelho de Ponte de Lima, onde o Não teve uma das mais altas expressões a nível nacional, tão diferente dos concelhos de Caminha ou Viana do Castelo, onde a expressão foi significativamente mais baixa?
  3. Terá a Igreja Católica tanta influência na decisão dos cidadãos quando concelhos com implantação semelhante tiveram resultados tão díspares?
  4. Sendo este um assunto de políticos, como infere dos resultados, ao contrário do suposto, Ponte de Lima não é um concelho de maioria CDS mas sim PSD (voto para as Legislativas), e que o PSD deu total liberdade de votos aos seus militantes e simpatizantes?
  5. Foi sentida alguma intervenção do CDS/PP em Ponte de Lima relativamente a este referendo?
  6. Foi notado o forte envolvimento do PS neste referendo, o mesmo tendo acontecido com vários ministros e com o Primeiro Ministro do Governo da Nação?
  7. Qual a razão para o voto maciço no SIM no Alentejo, que não a da predominância do Partido Comunista e o seu forte empenho neste referendo?
  8. Ficou efectivamente provado que povo clarividente é o que votou Sim ou se absteve?

Estas questões poderão motivar uma maior reflexão a MPT, que não a da “vox populi” de esquerda, porque como o tal “povo clarividente” que referiu alterna ciclicamente de partido de governo, também pode alterar a sua opinião sobre outras questões, sobretudo aquelas que à sua consciência dizem respeito.

Ser moderno, urbano, civilizado e clarividente, entre outros adjectivos, é ser livre, pensar pela sua própria cabeça, saber entender o que está em jogo e decidir de acordo com a sua consciência. Ser moderno é respeitar as opções dos outros, nem que sejam diferentes da sua. Ser moderno é participar na mudança e contribuir para ela, assumindo as suas virtualidades mas também os seus defeitos.