terça-feira, dezembro 26, 2006

As expressões disjuntivas

A política é um campo imprescindível nas sociedades modernas, onde a dialéctica assume um papel central. Aí é muito vulgar ouvir-se ou ler-se expressões de carácter disjuntivo, muitas vezes condicionadas por questões ideológicas, por compromissos do passado, por falhanços das políticas ou de opções recentes e até pelas caras das personagens envolvidas.
Sendo evidente que gerir, liderar um projecto é também assumir a responsabilidade de optar, de escolher um caminho, de resolver os problemas das pessoas através do caminho mais correcto, devidamente fundamentado, em política também é importante avaliar as vantagens e inconvenientes dos caminhos seguidos, o seu impacto na qualidade vida das pessoas e os custos para a comunidade, custos que podem ter um carácter monetários, material ou até ambiental.
Parece-nos que, a crer em diversas posições assumidas recentemente por políticos locais, se está a deixar para um plano secundário o interesse comum para dar resposta a interesses individuais ou de pequenas colectividades, ou até escondendo reveses pessoais.
Por isso não estranhamos que se ouçam expressões como “a gastronomia é melhor do que quatro IKEA”, que é preferível “o desenvolvimento económico à paisagem”.
A primeira expressão, da autoria do Presidente do Município de Ponte de Lima, Daniel Campelo é paradoxal. Na ressaca de um dos maiores revezes do seu mandato, a instalação em Paços de Ferreira de uma unidade fabril IKEA, um investimento anunciado em Ponte de Lima e que tinha este concelho como um dos principais candidatos à sua instalação, refere que a gastronomia é mais importante do que quatro IKEA. Ninguém de bom senso questiona a centralidade da gastronomia como pólo de atracção e de promoção de Ponte de Lima. O que é contestável e até lamentável é que o responsável máximo do concelho direccione apenas para a gastronomia e o turismo as prioridades da gestão municipal. O que se tem verificado, até hoje, é que o turismo, o património e a gastronomia não chegam. E arrisco a acrescentar que não chegam nem chegarão. Enquanto não houver um investimento sério e empenhado, elevado à categoria de prioridade municipal, no desenvolvimento económico, na captação de investimentos e criação de postos de trabalho, não existirá rendimento disponível, não haverá dinheiro para circular no concelho. O momento actual é de depressão que, como consequência se arrasta ao sector que mais postos de trabalho e capacidade económica deu até hoje ao concelho: o comércio, que definha e por quem nada tem sido feito.
Ao contrário daquilo que pensa e, a julgar pelos resultados obtidos, pensou o Sr. Presidente do Município, é possível e desejável que sejam compatibilizados os investimentos, a criação de riqueza, o aumento do rendimento disponível pela via de instalação de unidades industriais não poluentes, nas dezenas de lugares existentes nos dois pólos industriais do concelho, com a preservação do património arquitectónico, paisagístico e gastronómico, como factores de atracção turística. Tudo isto é possível e desejável e não devem ser descurado um em detrimento de outro.
Como também não é desejável que se feche os olhos à destruição da paisagem, à dilaceração dos recursos naturais de Ponte de Lima em nome de postos de trabalho, da manutenção de uma actividade económica industrial e artesanal.
O granito é, sem sombra de dúvidas, um elemento muito importante na economia do concelho, pelos postos de trabalho e pelos fluxos financeiros que gera. Mas é também importante criar condições dignas de trabalho para quem nele trabalha e gerir de uma forma equilibrada – respeito pelo ambiente, pelas populações e pela manutenção dos postos de trabalho – todo este processo. Por que é possível e desejável que haja emprego, que haja dinamismo económico, que se mantenha a tradição do trabalho em granito no concelho, mas que se preserve a Serra d’Antelas, os recursos naturais aí existentes e até os recursos para que as centenas de postos de trabalho aí existentes possam ser mantidos durante muitos e largos anos. Aqui também é possível conseguir o pleno: paisagem, postos de trabalho e economia.
Outros tabus, muito próximos do “ou”, podem aqui ser referidos. A feira quinzenal “em torno da qual giram quase todos os valores culturais da região”, segundo o presidente do município, já nada tem das feiras do passado: nem os produtos, nem os produtores locais, nem o carisma, na a importância económica que muitos lhe continuam a atribuir. Não pode ser um tabu o seu estado, a sua desorganização, o seu crescimento desregrado, o caos que causa no centro da vila, a falta de condições para expositores e compradores. É fundamental mudar, porque a história faz-se de mudança. Não é necessário mudar tudo, mas aproximar a feira da novel feira do gado, criar melhores condições para todos, limitar o número de lugares de exposição, libertar a Avenida dos Plátanos e Passeio 25 de Abril, podem ser um bom início para uma revolução que apenas pode permitir à feira a continuação de um estatuto que já teve mas que, decididamente, não tem na actualidade.
E quem fala em feira, fala no areal fronteiro a Ponte de Lima. Desde 1993 que se fala numa intervenção de fundo na zona. Mas passados 13 anos, nada. É a zona mais degradada das margens do Rio Lima entre a Guia e as Veigas de Crasto. Um novo enquadramento para a ponte, um novo passeio 25 de Abril, uma nova sala de visitas para Ponte de Lima!
A tónica é a do equilíbrio, a da procura de consensos e da utilização de conjunções em detrimentos das disjunções. Vamos trocar o “ou” pelo “e”. Comecemos pela língua portuguesa para que seja possível uma outra atitude política.