terça-feira, março 16, 2004

O CAMINHO DA QUALIDADE NO 1º CICLO

O filme/documentário “Ser e ter”, “Être et avoir” na versão original, de Nicolas Philibert, recentemente estreado em Portugal, retrata a realidade de uma escola rural da zona de Auvergne, em França, onde onze crianças duma mesma localidade, desde o pré-escolar até ao final da educação primária, se concentram em torno de um único professor, numa simbiose e num equilíbrio espantoso. Trata-se de uma película interessante e útil, de um excelente arquétipo para professores, pois não estamos perante ficção, mas sim perante uma realidade que, apesar da intromissão de uma câmara e sendo distante no espaço, está ainda muito próxima no tempo. Mas Nicolas Philibert, com toda a sua mestria, conduz-nos também a uma faceta mais romântica da educação, para um espaço de idealismo, muito próximo até da utopia, onde o mestre, a comunidade e o próprio sistema estão prestes a chocar com a dura realidade. A realidade da diminuição da taxa de natalidade, da diminuição constante do número de alunos nas escolas, que começam a estar privados da interacção com colegas das mesmas idades, a realidade da gradual perda de condições das escolas, cujo espaço físico e condições materiais estão cada vez mais desfasados das necessidades das crianças e das exigências dos programas e da própria sociedade, da própria comunidade impotente para dar resposta a um presente vivido a uma velocidade alucinante e a um destino que se começou a traçar já lá vão muitos anos. O velho princípio, legítimo e justificado no seu tempo, de uma ou mais escolas por aldeia, foi ultrapassado não só pelo tempo mas também pela própria realidade. Aldeia que tinha alunos, tinha escola e mestre. Mas tinha ainda porque lhe faltavam vias de comunicação, cantinas e outros meios que impediam a deslocação dos alunos. Hoje tudo mudou, a começar pelos alunos, ou melhor, a falta deles. E tudo mudou porque a rede escolar foi sistematicamente abandonada, degradou-se gradualmente, nunca foi reformulada e adaptada aos novos contextos.
Não tenho dúvidas em afirmar, pois, que está em curso uma verdadeira revolução no primeiro ciclo do ensino básico. Uma revolução que sucede a uma outra. Depois do alargamento exponencial da oferta ao nível do pré-escolar, está em curso a reformulação da rede do primeiro ciclo, uma rede desactualizada e degradada. Reconhecendo eu que é mais fácil e popular abrir jardins de infância do que fechar escolas, creio ter chegado a hora da viragem, da profunda mudança que deve sofrer a nossa educação inicial. Porque existe vontade política do governo e condições no terreno, ao nível da informação e sensibilidade para esta questão nos concelhos e freguesias, para proceder à grande mudança da qualidade rumo ao futuro no primeiro ciclo do ensino básico. Muitas são já as autarquias que definiram a sua estratégia e estão na fase da sua implementação: umas mais radicais, outras menos, tendo sempre como base as especificidades de cada concelho. Os que mais cedo entenderam que o caminho dos centros escolares, com condições físicas, materiais, humanas e pedagógicas para o ensino, é o único a trilhar, decisivo para o desenvolvimento local e nacional, serão os que mais cedo terão os frutos do seu arrojo, visão e capacidade em apostar numa área - a educação, que não dando resultados imediatos palpáveis, nem mesmo no médio prazo, pode ser decisiva para o progresso futuro. Fechar uma escola pode não ser um passo atrás, nem o caminho para desertificar uma aldeia. Fechar uma escola sem perspectivas de futuro e com poucos alunos, pode ser o interruptor que permita acender uma luz, o rasgar de um caminho que, até esse momento, não tinha saída.
Em todo o Alto Minho está em curso o processo de reformulação da rede de escolas do primeiro ciclo. Muito diversos são os caminhos seguidos, merecendo esta região um verdadeiro estudo de caso, ao nível das soluções encontradas pelos municípios para fazer face às situações específicas de cada concelho. O que é necessário, e imprescindível, é que exista uma estratégia coerente com a realidade, capaz de fomentar a qualidade e que tenha como objectivo primeiro servir aqueles que, muitas vezes, são os grandes esquecidos pelas reformas - os alunos.