sábado, dezembro 06, 2003

PROCURANDO DESEPERADAMENTE O FUTURO…

O Portugal da guerrilha política permanente, onde nada parece ser consensual, onde é possível que apenas o governo entenda como prioritário um determinado rumo, imediatamente contestado e minado por toda a oposição; onde os cidadãos assistem a horas e horas de retórica durante as quais são permanentemente citados mas nunca lembrados. O Portugal do quanto pior melhor não me agrada porque a educação é prioritária e decisiva mas não gera consensos; a saúde é prioritária e decisiva mas não gera consensos; a segurança social é prioritária e decisiva e mas não gera consensos; a cultura e a investigação científica são prioritárias e decisivas mas não geram consensos…
Este é um sentimento difícil de transmitir e muito mais difícil de entender. Até ao momento em que tive a felicidade de ler o Editorial do “Diário Económico” de 11 de Novembro de 2003, saído da pena de Miguel Coutinho, intitulado “Falta de Espelho – Duas notas sobre o país que somos”, que não resisto a transcrever na íntegra.

“A primeira: Portugal é o único país da União Europeia com uma percentagem de licenciados inferior à média dos países do alargamento.
A segunda: apenas 19% dos portugueses concluiu o ensino secundário, enquanto que essa taxa de escolaridade nos países candidatos à adesão à União Europeia atinge uma média de 77% da população.
Não valerá a pena repetir que, além de mais qualificada, a mão-de-obra destes países é mais barata, mais disponível e a legislação laboral em vigor é mais flexível, em comparação com a realidade portuguesa.
Só para dar um exemplo, o preço do trabalho ao sábado e ao domingo é, em média, três a quatro vezes superior em Portugal do que na maioria dos países do alargamento.
Com a chegada destas economias ao espaço da União Europeia, a ameaça torna-se clara: ou Portugal assume, num consenso alargado aos partidos, aos sindicatos, aos empresários e à restante sociedade civil, o desafio de mudança ou o investimento estrangeiro - o que ainda nos resta - desloca-se de armas e bagagens para estes países.
Esse desafio de andar depressa, sem preconceitos ideológicos nem egoísmos corporativos, parece, porém, condenado à partida.
O problema de Portugal é, desgraçadamente, o da falta de espelho.
Em que país se imaginam as associações de comerciantes que consideram insultuoso o anúncio do Ministério das Finanças que aconselha os consumidores a exigirem facturas? Em que ficção vivem os estudantes que invadem as ruas, manifestando-se alegremente contra o aumento das propinas? Em que realidade virtual flutuam os sindicatos quando acusam o Governo de querer «acabar com a função pública» por propor medidas de avaliação de desempenho? A falta de espelho legitima a sobrevivência de um país acomodado, anafado, que vive acima das suas possibilidades e desfoca, deliberadamente, a realidade.
O país que se levanta contra as propinas, contra as facturas, contra a avaliação de desempenho na função pública não só é avesso, como detesta a mudança. É o país do contra, pequenino, parado no tempo, indiferente aos sinais do mundo. Congrega, numa frente imobilista e cristalizada, a cobardia partidária, a aristocracia sindical e o egoísmo corporativo.
É um país inculto que atravessa os partidos, os sindicatos, os empresários e boa parte da sociedade civil - e que, do ponto de vista político, faz a síntese entre a pobreza envergonhada do salazarismo e as conquistas revolucionárias do PREC.
É um país sem razão de ser. E que precisa, com urgência, de um espelho. Na pior das hipóteses, morrerá de susto. Na melhor, acordará de um longo sono e de um sonho sem futuro”.